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Autoestima x Transtorno Dismórfico Corporal

 

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A beleza não é atributo das coisas em si

Só existe na mente que as contempla. ” (David Hume)

 

A percepção da imagem corporal afeta a vida emocional e muda o comportamento. Neste sentido, os meios de comunicação assumem papel social de preponderante influência no processo psicológico de internalização que sustenta a insatisfação com a aparência física.

Embora a percepção da beleza seja essencialmente subjetiva, parece relacionar-se com especificidades culturais que influenciam o conceito da atração física. Além disso, quanto mais esse aspecto influenciar o valor social atribuído ao indivíduo, mais a importância da satisfação estética da aparência cresce, e a preocupação e avaliação da imagem corporal mostra-se insistente.

A imagem corporal revela fatos do desenvolvimento psicológico e social da aparência. A sua construção, que engloba fatores perceptivos, aspectos do desenvolvimento, e influências socioculturais está diretamente relacionada com o movimento de busca da Cirurgia Plástica e mostra a possível relação entre expectativas e resultados de satisfação.

O aumento da procura por procedimentos estéticos e cirúrgicos pode ser atribuído a alguns fatores, como por exemplo, uma estratégia adaptativa de uma cultura que, valoriza a aparência física e dá grande ênfase à juventude e forma física. Por outro lado, o avanço da Medicina também colabora para o aumento da segurança que o procedimento passa para a população. Além disso, os benefícios terapêuticos estão comprovados com a melhora da imagem corporal e autoestima após a modificação corporal.

A Cirurgia Plástica é uma especialidade que se preocupa amplamente, mas não exclusivamente, com a reparação do corpo. Desta forma, tem como uma de suas finalidades dar novo contorno a diferentes estruturas do corpo, com o intuito de melhorar a aparência, influenciando a imagem corporal, a autoestima e, consequentemente, a qualidade de vida do indivíduo.

Indivíduos que desejam submeter-se a um procedimento de cirurgia plástica apresentam perfis e tipos de personalidade diferentes da população em geral, uma vez que, a aparência é importante e fundamental para a avaliação da autoestima e imagem corporal. Não obstante, quase todas as pessoas têm uma parte do corpo que gostariam de modificar, seja por meio da Cirurgia Plástica, ou não, e isso é normal e perfeitamente aceitável.

Entretanto, há casos em que a situação demanda ajuda profissional. Preocupação excessiva com a imagem pode ser sinal de uma doença chamada transtorno dismórfico corporal (TDC). A pessoa se enxerga com uma aparência que não tem. É como alguém que sofre com anorexia e se vê acima do peso.

O TDC não consiste em simples queixas em relação à aparência; está associado a considerável morbidade. Transtornos do humor, como depressão, e transtornos de ansiedade, como pânico, ansiedade social e ansiedade generalizada, ou transtornos alimentares, como anorexia e bulimia nervosas, ou ainda transtornos de uso e abuso de álcool e outras drogas, estão entre as comorbidades mais prevalentes.

O TDC é um conceito que possui uma longa tradição histórica na literatura especializada, com autores tidos como clássicos na sua descrição – Morselli, Janet, Kraepelin e Freud, sob os mais diversos nomes. Trata-se, portanto, de um mesmo fenômeno observado em diferentes períodos e culturas e que, apesar de parecer claramente relacionado com demandas contemporâneas, foi descrito em 1886, como dismorfofobia, por Enrico Morselli, psiquiatra italiano. Embora o TDC não seja facilmente diagnosticado, por confundir-se com depressão e transtorno de ansiedade social, sua descoberta ocorreu há mais de 100 anos.

A característica essencial do TDC é a resposta negativa emocional à percepção visual de partes do corpo que, o indivíduo identifica como deformadas. O impacto negativo no seu funcionamento global associado à redução da qualidade de vida e a taxas altas de suicídio são parte do quadro clínico. Aspectos neurobiológicos, psicológicos e socioculturais estão envolvidos na etiologia multifatorial do TDC. Trata-se de um transtorno mental, que pode tornar-se crônico e que, geralmente, manifesta-se no início da adolescência, afetando ambos os gêneros.

Por um lado, a busca compulsiva pela mudança da aparência física deve-se a uma incapacidade de resposta inibitória às reações de aversão e ansiedade, em relação às falhas no corpo, na medida em que, indivíduos com TDC não compreendem que o grau de insatisfação refere-se ao grau de distorção da imagem corporal.  Por isso, procuram o cirurgião plástico. Por que, na realidade, trata-se de um produto mental deslocado para o corpo. Por outro lado, pode ser consequência de uma maior sensibilidade estética, que provoca dramáticas respostas emocionais nos conceitos de beleza e feiura.

Indivíduos que sofrem com TDC, apresentam maior acurácia na apreciação e harmonia estéticas e sensibilidade perceptual, emocional e de avaliação, ligada às alterações da aparência. Desta forma, revelam uma necessidade de perfeição e suas construções de pensamento e comportamento são baseadas no perfeccionismo. Isso explica o foco, bem como o sofrimento excessivos, com imperfeições percebidas na aparência. Além disso, estes indivíduos, frequentemente, mostram uma necessidade de pertencerem a um padrão. Alguns não estão preocupados com o defeito em si, mas com uma ou mais características que não são perfeitas, corretas e simétricas, ou harmoniosas em relação ao corpo e personalidade.

O TDC é a condição psiquiátrica mais relevante para o aumento de tratamentos médicos com a aparência, num contexto sociocultural que valoriza a atratividade.

Indivíduos que apresentam um padrão cognitivo e emocional de grande vulnerabilidade, a crença de que “sempre poderão melhorar” e a sobrevalorização do defeito percebido pode provocar um comportamento aditivo, numa busca incansável por procedimentos estéticos e cirúrgicos. Buscam incessantemente “novas técnicas…para deixar-me ajeitado”, revelaria um paciente.

O principal sintoma de que a insatisfação corporal é proveniente do TDC é o grau de sofrimento que o defeito percebido provoca, afetando de forma intensa as relações afetivas e sociais do indivíduo portador. Muitos dos pacientes, quando procuram a Cirurgia Plástica, negam o próprio sofrimento por considerá-lo justificado e plausível com a deformidade que percebem e também por terem certeza que, essa deformidade, será corrigida por uma intervenção cirúrgica. E isso diferencia-os daqueles que procuram a Psiquiatria.

Entretanto, é a variável que deve ser observada na seleção de pacientes que buscam procedimentos estéticos e cirúrgicos e pode ser avaliada pela diferença entre o grau de preocupação e o defeito percebido. O grau de sofrimento é, portanto, o que pode assinalar o nível de gravidade dos sintomas e auxiliar a tomada de decisão do cirurgião plástico.

Como se identifica o grau de sofrimento?

Pelo tempo gasto, seja em pensamentos (mais do que 3 horas ao dia), ou em comportamentos na busca de procedimentos estéticos e cirúrgicos, de checagem e de esquiva (do contato físico, de situações públicas e sociais e pelas próprias estratégias de camuflagem). E ainda pela idade de início da insatisfação corporal – que está associada ao tempo do TDC e consequente sofrimento. Os comportamentos são excessivos na quantidade e ocorrem num contexto ritual do corpo.

Contudo, a observação clínica revelou que, o TDC não é critério de exclusão em procedimentos estéticos e cirúrgicos para pacientes com sintomas leves a moderados e que, portanto, a Cirurgia Plástica poderá ser considerada também um tipo de tratamento para alguns pacientes com TDC. A classificação dos sintomas em leves e moderados está relacionada à ausência de comportamentos de esquiva (do contato físico, de situações públicas e sociais).

Assim, um grau de investimento excessivo na imagem corporal, invariavelmente, ocorre em indivíduos com TDC e deve estar presente para o seu desenvolvimento. Todavia, para que sejam satisfeitos os critérios diagnósticos para TDC, um indivíduo deve apresentar não apenas um grande investimento na aparência, mas também uma avaliação negativa da imagem corporal, associada a extremo sofrimento.

De acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition. Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013), o TDC pode ser descrito como uma preocupação com um, ou mais defeitos, ou falhas percebidas na aparência física, que podem não ser observáveis para os outros. A condição também é caracterizada por comportamentos compulsivos, ou repetitivos, que resultam em sofrimento clínico significativo. Esses comportamentos não podem ser explicados por preocupações normais com a aparência física, como peso ou forma do corpo, e podem estar associados com a desmordia muscular, ocorrendo em diferentes níveis de percepção, ou graus de insight.

Indivíduos com TDC perdem o contexto do todo, em função do detalhe. Esta dinâmica neurofuncional parece afetar o pensamento e a percepção de uma forma geral, que em indivíduos com TDC pode revelar-se de maneira fragmentada e interferir no grau de insight.

Para indivíduos com TDC, o foco são características específicas que consideram feias, ignorando características mais atraentes. Por isso, a obsessão é pela feiura.

Desta forma, a atenção focada e a auto avaliação negativa, sempre associada à aparência física, bem como a interpretação distorcida das expressões faciais e emocionais, potencializam ideias de auto referência. Os outros falam dele e evitam-no por causa de sua desprezível aparência e, é nesta dinâmica, que podem surgir sentimentos e manifestações de agressividade.

Entretanto, indivíduos com TDC podem sentir-se atraentes, mas não o suficiente. Por isso, após uma intervenção cirúrgica, apesar de perceberem melhora, não ficam suficientemente satisfeitos. São predominantemente perturbados pela inabilidade de alcançar seu próprio padrão estético. Estão mais preocupados com o que não são e poderiam ser, em termos de sua aparência.

Em alguns casos, a satisfação com o resultado pode parecer efêmera, quando alguns destes pacientes elegem outra região do corpo, ou até mesmo um outro comportamento compulsivo, como o uso de álcool e cannabis, como foco de atenção e preocupação excessivas. Outros, em casos mais graves, apresentam uma queixa vaga, como uma sensação de feiura. É aqui que se verificam os pedidos de reoperações, de insistentes retoques.

Entretanto, este fato mostra, essencialmente, que a principal característica destes pacientes é a extrema insatisfação corporal e que, pode não ter qualquer relação com o resultado da cirurgia, por isso, a importância de uma seleção criteriosa em Cirurgia Plástica.

Com o crescimento do número de indivíduos que buscam a Cirurgia Plástica, a identificação de pacientes com TDC será, em sua maioria, feita por cirurgiões plásticos e não por psiquiatras. Além disso, o conhecimento do cirurgião plástico dos sintomas do TDC no período de seleção poderá evitar eventuais demandas judiciais, emocionalmente desgastantes, para as partes envolvidas.

Em Cirurgia Plástica, quando se fala em insatisfação da imagem corporal, não é a beleza que se espera descrever, mas a reação subjetiva à aparência. Desta forma, as proporções de um corpo, em última instância, não são tão importantes quanto à forma subjetiva como esse corpo é visto. Acontece com todos nós, mas de uma forma muito mais intensa em pacientes com TDC.

Não há maneira conhecida para prevenir o TDC. No entanto, identificar desde o início os sintomas, pode ser útil para começar o tratamento, seja estético/cirúrgico, psicoterápico, farmacológico ou ambos. Por outro lado, ensinar e encorajar atitudes saudáveis e realistas sobre a imagem do corpo pode ajudar a prevenir o desenvolvimento, ou agravamento do TDC.

 

 

texto de Maria Jose Brito

todos os direitos reservados.

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http://www.unifesp.br/dcir/cirtrans/discente/egressos/Biblioteca/doutorado/2011-08-doutorado-maria-jose-azevedo-de-brito.pdf

 

 

 

 

 

 

 


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